A discussão sobre o que é ou não ato privativo de médico ganhou força nos últimos anos, especialmente após a publicação da Lei n.º 12.842/2013, conhecida como Lei do Ato Médico.
Um dos pontos centrais desse debate é o diagnóstico de doenças (ou diagnóstico nosológico), que costuma ser confundido como atribuição exclusiva da medicina. Mas será que é isso mesmo?
O que a lei realmente diz sobre o diagnóstico
Quando a Lei do Ato Médico ainda era um Projeto de Lei (PL), os médicos tentaram transformar o diagnóstico nosológico e a prescrição terapêutica em um ato privativo da medicina. Todavia, o inciso I do artigo 4º foi vetado, afastando do rol de atos privativos o diagnóstico nosológico e a prescrição terapêutica.
Isso porque, na prática, diversos profissionais já realizam diagnósticos específicos, fundamentais para o Sistema Único de Saúde (SUS) e para a saúde suplementar.
Atualmente, o artigo 4º da Lei n.º 12.842/2013 lista quais atividades são efetivamente privativas dos médicos. Entre elas, está a “determinação do prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico” (inciso X).
Diferença entre diagnóstico técnico, diagnóstico nosológico e prognóstico
Aqui é importante diferenciar três conceitos:
- Diagnóstico técnico (ou científico): processo de identificar condições, alterações ou problemas, que pode ser feito por diferentes profissionais dentro de sua área de atuação. Não é ato privativo dos médicos.
- Diagnóstico nosológico (ou diagnóstico de doenças): Conforme o Art. 4º, §1º, da própria Lei do Ato Médico, o diagnóstico nosológico é a determinação da doença que acomete o ser humano, aqui definida como interrupção, cessação ou distúrbio da função do corpo, sistema ou órgão, caracterizada por, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes critérios: agente etiológico reconhecido; grupo identificável de sinais ou sintomas; alterações anatômicas ou psicopatológicas. Não é ato privativo dos médicos.
- Prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico: A Lei do Ato Médico não apresenta o conceito legal do que seria esse prognóstico, mas podemos extrair essa informação da doutrina médica especializada. De acordo com o Instituto Oncoclínicas de Ensino, Pesquisa e Educação Médica Continuada – IOPEMEC, o prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico “refere-se à tentativa de traçar a provável evolução de uma doença“. Trata-se, portanto, de um parecer médico com uma previsão sobre a provável evolução ou desfecho da doença, que pode variar conforme o entendimento de cada médico ou tratamento. É ato privativo dos médicos.
Na prática, isso significa que outros profissionais de saúde também podem solicitar exames e diagnosticar doenças. Entretanto, caso uma doença seja identificada, o paciente deve ser encaminhado para um médico realizar o prognóstico – exceto para procedimentos cujo prognóstico não seja obrigatório.
Em todo caso, o paciente deve assinar um termo de consentimento completo e atualizado para cada tratamento ou procedimento, onde constará informações sobre os riscos da ausência de prognóstico, riscos do tratamento ou procedimento, identificação de produtos, técnicas, aparelhos, uso de imagem, proteção de dados, entre outras informações obrigatórias pelo Código de Defesa do Consumidor e pela legislação vigente.
Profissionais de saúde que também podem diagnosticar
Veja alguns exemplos de profissionais que podem realizar diagnósticos de doenças (entre outros diagnósticos), no âmbito de suas atribuições e respeitando as diretrizes legais e normativas de sua profissão:
- Médicos
- Dentistas
- Enfermeiros
- Esteticistas
- Nutricionistas
- Psicólogos
- Farmacêuticos
- Fisioterapeutas ou Terapeutas Ocupacionais
- Fonoaudiólogos
- Biomédicos
- Biólogos
- Médicos veterinários
- Entre outros
Esses diagnósticos não se confundem com a atribuição médica, ainda que envolvam doenças, sendo complementares dentro de um sistema multiprofissional.
Evidentemente, nos diagnósticos de qualquer natureza, alguma doença eventualmente pode ser identificada e, quando isso acontecer, seria injusto acusar esses profissionais de exercício ilegal da medicina, especialmente se encaminharem o paciente para um médico ou conscientizá-lo sobre os riscos da ausência de um prognóstico antes do tratamento sugerido.
Por que isso importa?
Reconhecer que o diagnóstico de doenças não é um ato privativo da medicina é fundamental para:
- Evitar denúncias caluniosas por suposto exercício ilegal da medicina;
- Valorizar as diferentes profissões da saúde, respeitando sua autonomia técnica;
- Garantir a efetividade do SUS, que depende da atuação multiprofissional em áreas como prevenção, vacinação, reabilitação, acompanhamento de doenças crônicas ou disfunções estéticas;
- Evitar judicializações desnecessárias, já que a própria Lei do Ato Médico reconhece e protege a atuação de outros profissionais de saúde (art. 4º, §7º).
O que é vedado a outros profissionais?
Fica claro que os profissionais de saúde podem diagnosticar doenças, mas não podem:
- Determinar o prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico;
- Realizar atividades privativas da medicina, listadas no art. 4º da Lei 12.842/2013 (exemplo: cirurgias, endoscopias, anestesia geral, entre outros).
Conclusão
O diagnóstico de doenças (ou diagnóstico nosológico) não é ato privativo dos médicos. A legislação protege a atuação de diversas profissões, desde que cada uma se mantenha dentro de seus limites técnicos e legais. A vedação recai apenas sobre a determinação do prognóstico do diagnóstico nosológico, atribuição que a lei reserva à medicina.
Para clínicas e profissionais de saúde, compreender essa diferença é essencial para evitar conflitos regulatórios e exercer a profissão com segurança jurídica.
Nosso escritório oferece uma assessoria jurídica completa para clínicas, centros de estética e profissionais da saúde. Se você quer trabalhar com segurança, entre em contato para conhecer os nossos serviços!