Caso Natalia Becker: Peeling de Fenol, Esteticistas e Fake News

Saiba como a repercussão do caso Natalia Becker pode ter contribuído para a divulgação de fake news, bem como a responsabilidade da imprensa em casos similares.

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Em 3 de junho de 2024, vimos repercutir a trágica notícia do jovem Henrique, de 27 anos, que veio a óbito após a realização de um procedimento estético conhecido como peeling de fenol.

Alguns portais de notícias afirmaram, entre outras questões, que a profissional responsável pela execução do procedimento, conhecida como “Natalia Becker”, era esteticista, e que o procedimento realizado seria privativo da classe médica.

Posteriormente, foi constatado que Natalia Becker se chama, na verdade, Natalia Fabiana de Freitas Antônio, que adotava um pseudônimo nas redes sociais.

Além disso, também foi constatado que Natalia não era esteticista, tendo em vista que ela não possuia graduação de nível superior com concentração em Estética e Cosmética, ou equivalente.

Neste ponto, vale ressaltar que a realização de cursos livres de procedimentos estéticos não atribui o título de esteticista, tampouco habilita o profissional para o exercício da profissão, servindo apenas como fonte de conhecimento e/ou atualização para os profissionais legalmente habilitados.

Conforme a Lei Federal n.º 13.643, de 3 de abril de 2018, para o profissional ser considerado Esteticista (ou Esteticista e Cosmetólogo) é obrigatório que ele seja graduado em curso de nível superior com concentração em Estética e Cosmética, ou equivalente, oferecido por instituição regular de ensino no Brasil, devidamente reconhecida pelo Ministério da Educação.

Ademais, sobre a afirmação de que a aplicação do peeling de fenol, entre outros peelings químicos, seja um ato privativo da classe médica, a verdade é que ainda não existe um posicionamento concreto do Poder Judiciário sobre este assunto, apenas especulações que, aparentemente, favorece os interesses da classe médica, criando uma reserva de mercado com base em supostos atos privativos.

Diante disso, o objetivo deste artigo é contribuir com esclarecimentos para a convicção das autoridades, enfatizando a responsabilidade da imprensa na divulgação de informações, sob pena de um caso isolado prejudicar a reputação de uma categoria inteira de profissionais sérios e competentes, como a dos esteticistas e cosmetólogos, que foi alvo de diversos e injustos comentários hostis após a repercussão do caso Natalia Becker.

Vale ressaltar que os jornalistas e profissionais que compartilham fake news antes de apurar a procedência das informações podem ser responsabilizados civil e criminalmente, dependendo da gravidade da situação e dos danos morais e materiais experimentados por cada vítima das notícias falsas. As tipificações variam entre crimes contra a honra (difamação, calúnia ou injúria), entre outros delitos.

A diferença entre Esteticistas e Técnicos em Estética

Os esteticistas (também conhecidos como esteticistas e cosmetólogos) são profissionais graduados em um curso de nível superior, cuja profissão foi regulamentada pela Lei 13.643, de 3 de abril de 2018.

Essa lei também regulamentou a profissão dos técnicos em estética, que são profissionais de nível técnico.

Portanto, assim como existem os enfermeiros e os técnicos em enfermagem, existem os esteticistas e os técnicos em estética, profissões que não podem ser confundidas, já que cada uma delas tem as suas competências definidas na legislação.

A dúvida de muitas pessoas é se os profissionais antigos, que já atuavam no mercado da estética antes da entrada em vigor da Lei 13.643/2018, podem continuar trabalhando normalmente ou precisam fazer uma faculdade de estética para serem considerados esteticistas.

Vejamos o que diz a lei:

Art. 3º Considera-se Técnico em Estética o profissional habilitado em:

I – curso técnico com concentração em Estética oferecido por instituição regular de ensino no Brasil;

II – curso técnico com concentração em Estética oferecido por escola estrangeira, com revalidação de certificado ou diploma pelo Brasil, em instituição devidamente reconhecida pelo Ministério da Educação.

Parágrafo único. O profissional que possua prévia formação técnica em estética, ou que comprove o exercício da profissão há pelo menos três anos, contados da data de entrada em vigor desta Lei, terá assegurado o direito ao exercício da profissão, na forma estabelecida em regulamento.

Art. 4º Considera-se Esteticista e Cosmetólogo o profissional:

I – graduado em curso de nível superior com concentração em Estética e Cosmética, ou equivalente, oferecido por instituição regular de ensino no Brasil, devidamente reconhecida pelo Ministério da Educação;

II – graduado em curso de nível superior com concentração em Estética e Cosmética, ou equivalente, oferecido por escola estrangeira, com diploma revalidado no Brasil, por instituição de ensino devidamente reconhecida pelo Ministério da Educação.

Percebe-se que a lei preservou o direito de atuação dos profissionais que comprovem o exercício da profissão há pelo menos três anos antes da entrada em vigor da lei.

Portanto, os profissionais que trabalham com estética desde o dia 4 de abril de 2015 (três anos antes da entrada em vigor da lei), ou antes dessa data, possuem, em tese, o direito adquirido por tempo de atuação profissional.

Apesar disso, é importante saber que o direito adquirido por tempo de atuação está previsto no parágrafo único do artigo 3º da lei, que dispõe sobre o Técnico em Estética (e não sobre o Esteticista). Com isso, podemos concluir que não existe esteticista por direito adquirido, mas sim técnico em estética por direito adquirido.

Também é importante saber que a lei deixou pendente um regulamento sobre este assunto, que ainda não foi publicado. Esse regulamento vai apresentar as regras para a comprovação do direito adquirido.

A Competência dos Esteticistas

Vejamos agora o que diz a Lei 13.643/2018 sobre a competência dos Esteticistas:

Art. 6º Compete ao Esteticista e Cosmetólogo, além das atividades descritas no art. 5º desta Lei:

I – a responsabilidade técnica pelos centros de estética que executam e aplicam recursos estéticos, observado o disposto nesta Lei;

II – a direção, a coordenação, a supervisão e o ensino de disciplinas relativas a cursos que compreendam estudos com concentração em Estética ou Cosmetologia, desde que observadas as leis e as normas regulamentadoras da atividade docente;

III – a auditoria, a consultoria e a assessoria sobre cosméticos e equipamentos específicos de estética com registro na Anvisa;

IV – a elaboração de informes, pareceres técnico-científicos , estudos, trabalhos e pesquisas mercadológicas ou experimentais relativos à Estética e à Cosmetologia, em sua área de atuação;

V – a elaboração do programa de atendimento, com base no quadro do cliente, estabelecendo as técnicas a serem empregadas e a quantidade de aplicações necessárias;

VI – observar a prescrição médica apresentada pelo cliente, ou solicitar, após avaliação da situação, prévia prescrição médica ou fisioterápica.

Podemos concluir que os esteticistas são profissionais graduados em um curso de nível superior, que pode ser tecnólogo ou bacharel (é diferente dos técnicos em estética), sendo os esteticistas os profissionais legalmente habilitados para assumir a responsabilidade técnica pelos centros de estética (Art. 6º, inciso I).

Além disso, o esteticista é quem elabora o programa de atendimento, com base no quadro do cliente, estabelecendo as técnicas a serem empregadas e a quantidade de aplicações (Art. 6º, inciso V).

Vale ressaltar, todavia, que a Lei 13.643/2018 afastou da competência dos esteticistas apenas os procedimentos estéticos que sejam considerados privativos da classe médica (“estética médica”), conforme previsto no Art. 1º, parágrafo único, vejamos a redação do dispositivo legal:

Art. 1º Esta Lei regulamenta o exercício das profissões de Esteticista, que compreende o Esteticista e Cosmetólogo, e de Técnico em Estética.

Parágrafo único. Esta Lei não compreende atividades em estética médica, nos termos definidos no art. 4º da Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013.

Os Atos Privativos dos Médicos

Os procedimentos estéticos privativos dos médicos estão citados no artigo 4º, inciso III, da Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013, popularmente conhecida como Lei do Ato Médico, vejamos:

Art. 4º São atividades privativas do médico:
[…]
III – indicação da execução e execução de procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos, incluindo os acessos vasculares profundos, as biópsias e as endoscopias;

Conclui-se que os procedimentos estéticos privativos do médico são apenas aqueles considerados “invasivos”, de modo que atuar com os não invasivos é um direito assegurado aos esteticistas e técnicos em estética.

O conceito legal de procedimento invasivo, por sua vez, está previsto no artigo 4º, § 4º, inciso III, da Lei do Ato Médico, vejamos:

§ 4º Procedimentos invasivos, para os efeitos desta Lei, são os caracterizados por quaisquer das seguintes situações:

I – invasão da epiderme e derme com o uso de produtos químicos ou abrasivos; (VETADO)

II – invasão da pele atingindo o tecido subcutâneo para injeção, sucção, punção, insuflação, drenagem, instilação ou enxertia, com ou sem o uso de agentes químicos ou físicos; (VETADO)

III – invasão dos orifícios naturais do corpo, atingindo órgãos internos.

De imediato, podemos concluir que para o procedimento ser considerado invasivo é necessário que ele atinja “órgãos internos” do corpo humano (como as vísceras da imagem a seguir).

Esse entendimento pode ser confirmado em uma análise aos incisos vetados no mesmo dispositivo legal, que ampliavam o conceito de procedimento invasivo para incluir a invasão da epiderme e derme com o uso de produtos químicos ou abrasivos, entre outros.

As razões dos vetos, apresentadas pelo Poder Executivo na mensagem nº 287, de 10 de julho 2013, justificaram que os procedimentos invasivos não podem ser caracterizados de maneira ampla e imprecisa, atribuindo privativamente aos profissionais médicos um rol extenso de procedimentos, pois deve ser considerada uma perspectiva multiprofissional. Vejamos a transcrição da mensagem oficial:

Ao caracterizar de maneira ampla e imprecisa o que seriam procedimentos invasivos, os dois dispositivos atribuem privativamente aos profissionais médicos um rol extenso de procedimentos, incluindo alguns que já estão consagrados no Sistema Único de Saúde a partir de uma perspectiva multiprofissional. Em particular, o projeto de lei restringe a execução de punções e drenagens e transforma a prática da acupuntura em privativa dos médicos, restringindo as possibilidades de atenção à saúde e contrariando a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do Sistema Único de Saúde. O Poder Executivo apresentará nova proposta para caracterizar com precisão tais procedimentos.

Mensagem Presidencial nº 287, de 10 de julho 2013.

Com isso, fica claro que a aplicação de peelings químicos, como o peeling de fenol, em tese, não é considerada um procedimento invasivo, tampouco ato privativo da classe médica, salvo quando os produtos utilizados estiverem previstos na lista de substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial, que é regulamentada pela Portaria do Ministério da Saúde – SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998.

Sobre o Peeling Químico e de Fenol

Afirmar que o Esteticista é proibido de trabalhar com peelings seria, no mínimo, irônico, tendo em vista que foi uma Esteticista a responsável pela descoberta do peeling vegetal, chamada Anna Pegova, nascida em 1896, que também criou os cuidados homecare, se tornando referência mundial pelos seus feitos e contribuições.

Segundo a literatura científica, o peeling de fenol se enquadra como um peeling químico, ou seja, é um cosmético (químico), de poder abrasivo (peeling), que pode atingir camadas mais profundas da pele.

A técnica se apresenta eficaz para tratar, por exemplo, casos de envelhecimento da pele.

Do ponto de vista químico, o que define se um peeling é superficial, médio ou profundo (as três classificações de peelings) é, em síntese: 1) Ph; 2) Concentração do ativo; e 3) Tempo de exposição.

Segundo esses princípios, qualquer peeling modificado quimicamente pode se tornar de superficial a profundo, ou vice-versa, de profundo para médio/superficial, que é o caso dos chamados “peelings de fenol atenuados” – quando se encontram nesse estado químico e utilizados somente em áreas pontuais, respeitando suas limitações, são seguros para uso em cabine, não havendo a necessidade de bloco cirúrgico.

Já o procedimento de fenol profundo, apesar de não ser considerado invasivo, é recomendável ser feito em bloco cirúrgico devido aos riscos envolvidos, como processo alérgico, choque anafilático, toxicidade, comprometimentos do coração, etc.

Somente por este motivo é recomendável que o procedimento seja executado por médicos, mas não existe previsão legal para afirmar que o ato é privativo da classe médica, até mesmo porque muitos centros de estética possuem uma equipe de atendimento multiprofissional.

A causa da morte do Henrique

A causa mortis do Henrique, até a data de publicação deste artigo, ainda está sendo investigada pelas autoridades. Portanto, preferimos não nos aprofundar no assunto em respeito ao processo judicial em curso, onde será apurada a causa e a responsabilidade dos envolvidos, observando o princípio do contraditório e da ampla defesa.

No entanto, em uma opinião profissional, entendo que o procedimento de peeling de fenol não seria o mais apropriado para o caso do Henrique, que era jovem e, aparentemente, tinha interesse apenas no tratamento de cicatrizes de acne, o que poderia ser feito com técnicas menos agressivas. Vejamos algumas considerações:

  1. Pele jovem possui poder de regeneração tecidual, diferente da pele madura, que no processo de envelhecimento perde essa característica no encurtamento dos telômeros;
  2. Existem formas de causar neocolagênese (processo padrão utilizado para tratar a afecção do caso) de forma pontual e mais efetiva, como no caso de microagulhamento associado a técnicas de laserterapia que façam retração tecidual e/ou promovem melhoria de cicatrizes;
  3. Devido aos riscos de fibrose (reposição por um tecido sem elasticidade) poderia ocorrer a perda da naturalidade ao falar e se expressar (harmonia do rosto), do ponto de vista da análise visagista.

Referência complementar:

VELASCO; Maria Valéria Robles; OKUBO, Fernanda Rumi; RIBEIRO, Maria Elizette; STEINER, Denise; BEDIN, Valcenir. Rejuvenescimento da pele por peeling químico: enfoque no peeling de fenol. Anais Brasileiros de Dermatologia. Disponível em: [https://www.scielo.br/j/abd/a/fMXZNGpXX4qRnDVBhRsWLYh#]. Acesso em: 7 jun. 2024.

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Marjory Gonçalves

Esteticista e Cosmetóloga especialista em Intradérmicos e Subcutâneos (Injetáveis). Redatora do escritório Vitorino & Freitas.

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