Médico pode ministrar cursos para não médicos? Saiba tudo!

Entenda os limites legais da Resolução CFM nº 1.718/2004 e saiba se médicos podem ministrar cursos para profissionais de outras áreas.

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A Resolução CFM nº 1.718/2004 tem sido frequentemente utilizada como argumento para impedir que médicos atuem como docentes em cursos voltados a profissionais de outras áreas da saúde, como estética, enfermagem, fisioterapia, biomedicina ou farmácia. Mas até que ponto essa vedação tem respaldo legal?

Neste artigo, vamos esclarecer os limites legais dessa norma, analisar sua constitucionalidade e discutir a importância do ensino multidisciplinar para a saúde pública. Também abordaremos a forma equivocada com que o termo “não médico” é utilizado no debate e os prejuízos causados por interpretações corporativistas do conceito de ato médico.

O que diz a Resolução CFM nº 1.718/2004?

A norma estabelece, de forma genérica, que é vedado ao médico, sob qualquer forma de transmissão de conhecimento, ensinar procedimentos privativos de médico a profissionais não-médicos.

A exceção prevista refere-se ao atendimento de emergência a distância, regulado pela Resolução CFM nº 1.643/2002. Além disso, o texto reforça que o ensino de suporte avançado de vida é restrito a médicos e estudantes de Medicina, enquanto o suporte básico pode ser ensinado a qualquer cidadão, desde que não envolva atos privativos da medicina.

No entanto, a interpretação dessa norma tem gerado abusos. Vejamos os artigos da referida resolução na íntegra:

Art. 1ºÉ vedado ao médico, sob qualquer forma de transmissão de conhecimento, ensinar procedimentos privativos de médico a profissionais não-médicos.
Parágrafo único – São exceções os casos envolvendo o atendimento de emergência a distância, através da Telemedicina, sob orientação e supervisão médica, conforme regulamentado pela Resolução CFM nº 1.643/2002, até que sejam alcançados os recursos ideais.

Art. 2º – Os procedimentos médicos ensinados em cursos de suporte avançado de vida são atos médicos privativos, devendo ser ensinados somente a médicos e estudantes de Medicina.

Art. 3º – A capacitação em suporte básico de vida deve ser garantida a qualquer cidadão, desde que não haja o ensino de atos privativos dos médicos.

Art. 4º – Os diretores técnicos de instituições de saúde serão responsabilizados se permitirem o ensino de atos médicos privativos a profissionais não-médicos.

Art. 5º – Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Ato médico: o que realmente é privativo?

O ponto central da controvérsia reside no conceito de “ato médico”. A Lei nº 12.842/2013 (Lei do Ato Médico) define em seu Art. 4º, de forma clara e taxativa, quais atos são exclusivos da medicina, tais como:

  • intervenção cirúrgica e prescrição dos cuidados pré e pós-operatórios
  • procedimentos invasivos (que atingem órgãos internos)
  • intubação traqueal
  • coordenação da estratégia ventilatória inicial para a ventilação mecânica invasiva
  • sedação profunda, bloqueios anestésicos e anestesia geral
  • laudo dos exames endoscópicos e de imagem, dos procedimentos diagnósticos invasivos e dos exames anatomopatológicos
  • prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico
  • indicação de internação e alta médica nos serviços de atenção à saúde
  • perícia médica e exames médico-legais
  • atestação médica de condições de saúde, doenças e possíveis sequelas
  • atestação do óbito

Fora dessas hipóteses, o compartilhamento de conhecimento técnico entre médicos e demais profissionais de saúde não fere qualquer norma ou dispositivo legal.

Não é ato médico privativo ministrar aulas sobre anatomia, fisiologia, biossegurança, cosmetologia ou técnicas não invasivas voltadas ao cuidado estético e integrativo. Interpretar que todo ensino relacionado à saúde é ato médico é extrapolar os limites da lei e violar o princípio da legalidade (art. 5º, II, da Constituição Federal).

Todavia, essa discussão vai além, afinal, o acesso ao conhecimento, ainda que de atos supostamente privativos da medicina, não pode ser exclusivo dos médicos.

A quem pertence o saber científico?

A tentativa de monopolizar o ensino técnico-científico dentro da área da saúde é incompatível com o modelo constitucional brasileiro. O conhecimento é patrimônio da coletividade, e o compartilhamento entre profissionais é essencial para o avanço da saúde pública.

Além disso, o simples fato de um profissional participar de um curso ministrado por um médico não significa que estará autorizado a realizar procedimentos além do que sua formação e seu conselho profissional permitem. Isso reforça a importância da responsabilidade individual e do respeito às atribuições legais de cada profissão.

“Não médico”: um rótulo reducionista e excludente

Outro ponto que merece atenção é o uso da expressão “profissional não médico” para se referir a fisioterapeutas, biomédicos, esteticistas, farmacêuticos, enfermeiros e tantos outros. Essa nomenclatura carrega um preconceito implícito ao definir o profissional pelo que ele não é, e não pelo que é.

Cada profissão da saúde possui competências específicas, formadas por conhecimento técnico-científico legítimo. Portanto, é essencial abandonar rótulos pejorativos e valorizar a atuação qualificada de todas as categorias.

Liberdade de ensino, trabalho e iniciativa: um direito constitucional

Restringir a atuação docente dos médicos com base em interpretação genérica de uma norma infralegal atenta contra pilares constitucionais fundamentais:

  • Liberdade profissional (art. 5º, XIII)
  • Liberdade de ensinar e aprender (art. 206, II e III)
  • Livre iniciativa e atividade econômica (art. 170)

Além disso, apenas a União pode legislar sobre exercício profissional (art. 22, XVI). Portanto, um conselho de classe não pode editar resoluções que criem proibições genéricas não previstas em lei formal.

Uma proibição desproporcional e ineficaz

Mesmo que houvesse algum risco hipotético à saúde pública pelo ensino técnico entre categorias, a restrição absoluta seria desproporcional. O princípio da razoabilidade exige que se avalie o conteúdo ministrado, o público-alvo e o objetivo da capacitação, e não que se imponha censura generalizada com base em suposições.

Proibir médicos de atuarem como docentes em cursos interdisciplinares, sem critérios objetivos e sem respaldo legal, representa não só um abuso regulatório, mas um retrocesso ao avanço do conhecimento na área da saúde.

A inconstitucionalidade da Resolução CFM nº 1.718/2004

A Constituição Federal é clara: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (Art. 5º, inciso II). Resolução não é lei!

O que diz a jurisprudência?

Recentemente, a Justiça Federal condenou o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) à retratação pública e ao pagamento de R$ 20 mil de indenização por danos morais a um médico punido indevidamente por ensinar a prática da acupuntura a não médicos.

Conforme o entendimento do Tribunal, “na ausência de lei regulamentadora do exercício da acupuntura, não compete ao CFM promover a supressão da lacuna legislativa por meio de atos administrativos”.

O acórdão cita precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do próprio TRF3. Número do processo: 0022652-15.2006.4.03.6100.

Conclusão

A Resolução CFM nº 1.718/2004 não pode ser utilizada como instrumento para impedir médicos de compartilharem conhecimento técnico com outros profissionais da saúde, principalmente em temas que não sejam, de fato, legalmente privativos da medicina.

A valorização do ensino multidisciplinar, o respeito às competências de cada profissão e a preservação das liberdades constitucionais devem prevalecer sobre interpretações corporativistas. O futuro da saúde depende da colaboração, não da exclusão.

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Equipe de redação do Portal de Notícias do escritório de advocacia Vitorino & Freitas - Sociedade de Advogados.

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